quarta-feira, 27 de julho de 2016

Uma pequena reflexão sobre a agressividade!

Uma pequena reflexão sobre a agressividade!
Rosario Câmara – CRP 02/15296

Há muitos séculos atrás, em uma terra muito distante, vivia uma governanta chamada Inanna. Ela reinava sob o céu, espalhando sua luz por todo o reino. Possuía sete objetos de poder, objetos místicos que lhe conferiam a habilidade de reinar no céu e na terra, que lhe davam sabedoria, força e beleza.  Certo dia, Inana pediu ao seu companheiro que fosse até o submundo visitar sua irmã Ereshkigal e pedir para que ela lhe prestasse as honras por ser a grande governanta. No entanto, Ereshkigal reinava no submundo e ela gostaria de ver sua irmã mais uma vez e quando o companheiro de sua irmã lá chegou foi feito prisioneiro. Inana precisou descer ao submundo, mas para visitar sua irmã precisaria se desfazer dos seus objetos de poder, pois, nenhum vivo pode adentrar o reino dos mortos sem se despojar de seus bens materiais. Por sete portões, Inanna passou e em cada um deles ela deixou um de seus objetos de poder, até estar frente a frente com sua irmã. E, ao olhar de perto para aquela que há muito não via, Inanna lembrou que faziam parte de um mesmo ser. Inanna e Ereshkigal eram idênticas em sua graça, força e beleza. Contudo, enquanto uma reinava à luz do sol, outra reinava à luz da escuridão e por isso cada uma delas tinha uma sabedoria diferente. Ao se reencontraram, Inanna fez as pazes com o seu lado mais sombrio, aquele que lhe daria forças nos momentos em que a escuridão tentasse invadir o seu reino solar.

Pois bem, esta curta história utilizo para ilustrar uma dicotomia que vem ocorrendo nas pessoas ao logo dos últimos anos: bem e mal não podem conviver juntos. Estes conceitos de bom e de mau englobam também o conceito de certo e errado e todas aquelas coisas ruins que sentimentos quando não conseguimos o que queremos, ou quando somos feridos e desejamos vingança. Pois é, não tem aquele que diga que nunca sentiu raiva, desejo de vingança, inveja, ou qualquer dessas outras coisas que costumamos pôr para debaixo do tapete. O tapete da história é o submundo governado por Ereshkigal, onde toda a agressividade e ferocidade de Inanna haviam sido domadas, esquecidas e guardadas. Já o nosso tapete, bem... ele depende... depende da história que é construída na vida da pessoa e quais os caminhos que ela encontrou para lidar com sua raiva, com seus desejos de vingança, com suas frustrações. Algumas pessoas conseguem conviver com isto sem adoecerem a si mesmas, transformam em arte ou analisam o assunto e acabam elaborando e vendo o quanto de bobagem tinha ali, naqueles quereres. Outras pessoas, por sua vez, adoecem, por exemplo, perdem o controle e começam a ter reações exageradas em algumas situações, possuem pensamentos repetitivos e desejos que não conseguem mais conter, tal como um rio caudaloso em período de cheia! Ou minguam, e tornam-se tristes e opacas.

O ocidente tentou fazer do homem um ser sem perfeições, onde tudo é maravilhoso, bonito, brilhoso, sorridente e etc... Mas a vida, ela não foi feita para ser perfeita. Ela tem um lado que é feio, mal cheiroso, cruel. Mas só entendemos a importância dele, quando convivemos com ele. Quando aprendemos à aceita-lo. Pois, quando conhecemos do que somos capazes nos nossos piores momentos, podemos dosar melhor a força que utilizaremos ou o estrago que iremos querer fazer, já que às vezes é preciso fazer um estrago para se ganhar uma batalha.

Ou seja, criamos vários nomes para explicar comportamentos complicados, adoecemos o ser humano e criamos categorias diagnósticas para rotulá-los. Mas, esquecemo-nos de olhar para a forma que integramos os pares de opostos ao nosso dia a dia. Pois, a planta para poder crescer, precisa ter força, garra e vontade para abrir a casca da semente e irromper no solo, ela precisa da agressividade. Para descobrir a força que realmente temos e do que somos capazes, é necessário descer ao inferno, fazer as pazes com nosso gêmeo do mal e subir sem necessitar mais dos vários adornos que tínhamos para nos sentir fortes. Descobrimos que a força estava dentro de nós, naquilo que negávamos  existir em nós mesmos!


quarta-feira, 20 de julho de 2016

Comunica... Ação...

Comunica... Ação...
Rosario Câmara

Quem de nós nunca teve problemas devido a falta de comunicação, seja por medo de se expressar ou simplesmente pensar que não vale apenas falar? Quem nunca falou uma coisa e aquele que recebeu entendeu alguma coisa bem diferente? Acredito que metade dos problemas humanos são os problemas de comunicação. Nem sempre falamos para os outros, normalmente falamos para nós mesmos e temos a certeza que seremos entendidos e, pior ainda, muitas vezes já sabemos o que os outros vão pensar e dizer... Supomos... Adivinhamos... E se todo mundo age com a "certeza" do que o outro pensou... Já viu, né?

A palavra comunicação é proveniente do Latim communicatio e tem o significado de tornar comum ou repartir. Vamos dividir a palavra: communis (público) + actio (ato) = ato de tornar público e, adivinhem, a palavra é parente de "comunhão" que significa a realização de algo em conjunto. Podemos entender, dessa forma, que ao comunicarmos algo à alguém estamos compartilhando uma ideia para que algo em conjunto possa ser realizado. Tendo isso em mente fica mais fácil compreender porque se não conseguimos passar uma mensagem clara, acabamos por ter muitas dores de cabeça.

De mal entendidos à não acontecidos, saber falar o que sente é uma habilidade social que precisa ser desenvolvida desde a infância. As crianças pequenas estão aprendendo o repertório do comportamento social com o ambiente que a cerca, no entanto, existem as emoções primárias (raiva, alegria, medo, tristeza, nojo, surpresa e amor) que invadem a criança e, na maioria das vezes, faz com que elas passem diretamente para a ação. Neste momento, cabe ao adulto e ao meio a ajuda para identificar e expressar essa emoção de forma saudável. Entender o que está acontecendo dentro de si e saber dizer aos outros isso pode ser comparado ao fato de sentir fome e pedir comida. No entanto, tendemos a embaralhar tanto emoções e sentimentos que isto não se torna tão simples. De imediato podemos pensar que dizer "estou com fome e preciso comer" não é um ato tão proibido como fazemos com a raiva. Se dizemos que estamos com raiva de alguém, o mundo caí e somos alertados e orientados a não dizer isso, pois isso faz mal ao espírito, ao corpo e tantas outras coisas que inventamos, mas o grande problema é que "não dizer", não se refere também ao "não sentir". E, o que aprendemos com isso? Não podemos expressar tudo que sentimos.

Mas, será que se aprendermos a conviver com as emoções e os sentimentos, sejam negativos ou positivos, e a expressa-los sem acusar os outros, porém simplesmente falando de algo que estamos vivenciando, como se contássemos uma experiência, e, aprendêssemos a ouvir esses relatos sem tomar como uma ofensa, será que não ficaria muito mais claro e mais fácil todas as nossas relações? Afinal, estaríamos finalmente falando o que realmente estamos pensando sem o medo da retaliação e não ficaríamos inventando quimeras que nos dizem os que os outros estão a pensar de nós.

Lembre-se não é a sinceridade escancarada da qual estamos tratando, mas sim de saber identificar e expressar o que é nosso e o que é do outro. Saber diferenciar os atos das pessoas. Atos cometidos não podem ser modificados, mas as pessoas, estás podem mudar, desde que se possa compreendê-las, aceitá-las e, incentivá-las. Portanto, como você anda falando com você mesmo e com o mundo que o cerca? Como você anda "compartilhando" as suas "ações"?

P.s.:
·         *As emoções primárias estão muito bem retratadas na animação "Divertida Mente" (2015) dos estúdios Disney-Pixar. Se ainda não assistiu, assista. Um ótimo filme para assistir com a família.

·         *Quimera é um monstro mitológico com cabeça de leão, corpo de cabra e cauda de serpente.

- -Publicado inicialmente em: http://www.agendasaude.net/2016/03/comunica-acao.html.



quarta-feira, 13 de julho de 2016

Transtorno do Controle Impulsivo... Será?

Vivemos em uma sociedade que cada dia mais precisa categorizar tudo o que existe. Uma sociedade que deixa de vivenciar e de experimentar as emoções e os sentimentos, além, de claro, negar veementemente tudo aquilo que o ser humano tem de "ruim", assim digamos. No entanto, que fique claro que esta sociedade a qual me refiro é a parte ocidental do mundo, pois os orientais possuem uma filosofia de vida bastante diferente da nossa. Tendo isso em mente, comecemos a falar sobre o título deste artigo "Transtorno do Controle dos Impulsos".

Este transtorno refere-se àquelas pessoas que possuem dificuldades em pensar antes de agir e vão logo para o ato... Sabe aquelas explosões de raivas? Pois é, coisas do tipo... O transtorno não se refere apenas à raiva, mas a diversos comportamentos em que a impulsividade toma a tônica e a pessoa meio que "perde as estribeiras", não estando sob efeito de medicamentos, álcool ou outro tipo de drogas ilícitas. Simplesmente, a pessoa é tomada pela ação e acaba agindo sem pensar e as consequências são sempre as mais desastrosas possíveis. Enfim, mesmo sendo psicóloga e sabendo da necessidade de às vezes precisar ter um diagnóstico, muitas vezes prefiro pensar que não é do diagnóstico ou de uma patologia propriamente dita que se trata. Afinal de contas, por que é que este transtorno só veio aparecer nos últimos cinquenta anos, digamos? Ou seja, prefiro descartar o nome que a psiquiatria vem utilizando, pois existem várias controvérsias sobre estes diagnósticos, e lidar com o que as pessoas estão sentindo, com a experiência que está sendo vivenciada.

Pois bem, acompanhem o meu raciocínio: já pensaram em quantas vezes guardamos os nossos sentimentos e nossas "vontades" de fazer certas coisas, ou melhor, vamos para o que o senso comum diria, pensem em quantas vezes "engolimos sapos"? Conhecem a expressão, né? Pensem em quantas vezes gostariam de dizer "não", mas o medo e a culpa do que os outros vão pensar e dizer lhes impediu. Apenas, pensem na quantidade de vezes que vocês negaram àquela vontade de “matar alguém” tamanha a raiva que lhe fez, incluindo pais, filhos e parceiros (as). Pensaram? Encurtando e deixando bem simples (não que o seja): toda vez que não damos voz ao nosso lado negro, às nossas angústias, nossas dores e negamos que existe sim uma fera dentro de nós, damos oportunidade para que ela escape nos momentos em que estivermos fragilizados ou nossas defesas estejam com a guarda baixa. Aí, o lado impulsivo e sem controle aparece.



É isso que os orientais entenderam há bastante tempo: o equilíbrio entre o bem e o mal que existe em cada ser humano. Equilibrar o nosso lado negativo e positivo é dar oportunidade para que os dois lados se expressem igualmente e lembrar que pensar e falar não é fazer. Então, antes de partir ao ato, falar sobre essas "vontades" é uma forma de dar um destino mais saudável a estes sentimentos que explodem quando menos esperamos. Ou seja, não guardem tudo e esqueçam, negando que existe sim essa realidade tão terrível dentro de nós. Lembrem-se da Lei da Física que diz que uma ação corresponde a uma reação de igual força e tamanho. E, para que você não vire um monstro em momentos inoportunos, traga-o para a luz e converse com ele, apazigue-o. Se não consegue fazer sozinho, procure um psicólogo, um amigo, alguém em quem confie, mas conheça-o e faça as pazes com ele.

Publicado inicialmente em Agenda Saúde,

sábado, 9 de julho de 2016

Por uma infância com mais traquinagens!

Certa vez, quando eu era criança, li um livro que falava que gente adulta esquecia-se  do que era ser gente pequena e tendo em vista algumas coisas que ocorrem por aí, devo concordar com a pequena personagem do livro infantil*: até parece que gente adulta esquece o que é ser criança!

Pois é, os pai, hoje em dia, parecem oscilar entre ideias do que esperar de seus filhos: ora esperam coisas que estão para além da idade que eles possuem (exemplo: que crianças de 4 anos de idade saibam esperar 30 minutos pacientemente e quietinhas), ora acham que brincar com a criança é apenas sentar no chão e brincar de carrinho e boneca ou correr e pular, ora querem que as crianças continuem dependentes como bebês (que não podem fazer muita coisa sozinhos)! Nisso, as crianças vão ficando irrequietas e nervosas com confusões que não são delas, mas sim dos adultos que as cercam, que muitas vezes estão com dificuldade em encontrarem a sua própria criança interior.

Ser pai e mãe é uma tarefa de tempo integral que leva uma vida inteira, no entanto, o quanto os filhos vão requerer esses pais vai se modificar a medida que estes vão crescendo e tornando-se independentes. Ou seja, de princípio será necessário abrir mão de alguns quereres, que pouco a pouco poderão ser repensados. Maternidade e Paternidade não precisam ser prisões que enjaulam adultos. Por que não curtir praia e programa com os filhos? Ou poder deixar os filhos com avós, tios e babás, e sair em um encontro uma vez por semana ou uma vez por mês? Assim como os pais precisam de um tempo longe de seus filhos para não enlouquecerem, as crianças também adoram um tempo longe de seus pais! E na mágica da distância é possível encontrar a saudade e o valor do reencontro e de novas histórias para contar.

Para que isso possa acontecer é preciso que os pais confiem em si mesmo, nas pessoas com as quais deixam os filhos e que confiem (principalmente!) nos próprios filhos e na educação que lhes foi dada e na capacidade que eles (os filhos) tem de criar e se tornarem pessoas independentes e capazes de cuidar de si mesmas ou de comunicar-se e pedir ajuda caso necessário!

Assim, quando os pais orientam mais os filhos ao invés de proibirem, e, respeitam suas individualidades, todos vivem mais felizes! E, as crianças podem ser traquinas e pestinhas sem serem tirânicas e mal com comportadas, ou portadoras de algum transtorno psicológico e podem perguntar e questionar sem estarem ofendendo os pais e terem distúrbios do comportamento. Tudo depende de qual lente se utiliza para conviver com a criança. Pais que estão em contato com a sua, digamos, criança interior, conseguem se identificar melhor com as necessidades infantis e entender que tudo tem seu tempo e que nem tudo é maldade, cabendo aos pais ensinarem os limites e os manterem até que elas possam lidar sozinha com eles, sem se despedaçarem no processo. Pois, Como já dizia minha avó: “criança muito quieta, é criança doente”! Assim sendo, criança com muita energia, é sinal que tem saúde pra dar e vender! Então, por que adoecê-las?

*O livro em questão se chama "Se... Será, Serafina?" da Cristina Porto e impresso pela Atica Editora.
 Texto escrito em 28 de Junho  2016 para ser veiculado no Jornal Cidade em Garanhuns.

quarta-feira, 6 de julho de 2016

A Agressividade na Primeira Infância


Os tempos politicamente corretos e as revoluções sociais e culturais dos últimos cinquenta anos, deixaram alguns pais desesperados frente a assuntos corriqueiros quando se trata de crianças e seus comportamentos. O que quero dizer com isso é que no meio de tanta informação e dicas de como fazer, às vezes os pais parecem ficar sem saber o quê realmente podem e devem fazer. Pois bem, dentre tantos, vamos focar nos anos iniciais entre os dois e cinco anos de idade onde as crianças entram nas escolas, nas creches e passam a circular cada vez mais nos ambientes e, claro, começam a aparecer todas as “inadequações” sociais.

São comuns os encaminhamentos nesta etapa do desenvolvimento para os psicólogos, devido à agressividade que algumas crianças começam a apresentar na escola e no convívio com outras. Mordidas, puxões de cabelo e beliscões são os campeões das discórdias no grupo de mães e pais que adoram mimar os seus filhotes e se sentirem os pais com os melhores filhos do mundo! O que fazer, então, quando os filhos se tornam verdadeiros pestinhas? 

O que muitas vezes os adultos que cuidam de crianças esquecem, é que elas não nasceram sabendo o que é raiva, o que é amor, o que é controle, o que é esperar e etc. Estes pequenos detalhes do nosso cotidiano são aprendidos e apreendidos no convívio com outras pessoas e principalmente com os adultos que cuidam delas. Ou seja, muitas vezes é preciso que os adultos se lembrem de explicar para as crianças que existem outras maneiras de lidar com a raiva, que é aquela coisa quente que a gente sente quando o amiguinho não quer brincar com a gente na hora que a gente quer, por exemplo. Que a gente pode dizer, o quanto a gente fica com raiva porque o amiguinho pegou o nosso brinquedo preferido, ao invés de puxar o cabelo dele para pegar o brinquedo de volta. São pequenos detalhes e de início, elas não fazem por mal, elas apenas sentem e agem. Elas ainda não aprenderam a pensar e elaborar o que estão sentindo para dizer de forma diferente para quem estar ao redor.

Quando os adultos conseguem essa porta de diálogo e não possuem medo de sua própria agressividade, que diferentemente da violência, é necessária para todo ser humano, eles conseguem encontrar sua própria maneira de conversar com as crianças e de ajudá-las a entender o que acontece dentro delas e traduzir aquilo para o mundo de forma mais saudável. Eles com sensibilidade e amor fazem a mediação entre os desejos infantis e as normas culturais, ajudando a construir um mundo melhor, onde as pessoas se entendem e respeitam o que cada uma sente, sem negar o que há de bom e ruim no ser humano e que todo mundo um dia sente.

 Texto escrito em 15 de Junho de 2016 para ser veiculado no Jornal Cidade em Garanhuns.





sábado, 2 de julho de 2016

Tristeza... “Essa noite não”...

A cidade enlouquece em sonhos tortos 
 Na verdade nada é o que parece ser 
As pessoas enlouquecem calmamente 
Viciosamente, sem prazer
(Essa noite não, Lobão, 1989)

Vivemos atualmente em uma sociedade que nos cobra “beleza, amor e poder” basicamente 24 horas por dia o ano inteiro, mas, infelizmente, a vida é feita de imprevistos e a letra da música do final do século passado continua bastante atual. As pessoas enlouquecem calmamente com sonhos tortos e exigências de um mundo capitalista que faz cada vez menos sentido.

O que nos torna humanos é justamente a capacidade de sentir e elaborar esta vivência, mas cada vez mais o sentir é posto embaixo do tapete e os seres humanos tornam-se máquinas que vivem o dia a dia buscando algo freneticamente. Em busca do quê, exatamente?


A maior expressão da angústia 
Pode ser a depressão 
 Algo que você pressente 
 Indefinível 
 Mas não tente se matar 
Pelo menos essa noite não
(Essa noite não, Lobão, 1989)


O vazio que vai aparecendo nos momentos em que as máquinas param e é possível respirar e olhar ao redor torna-se uma angústia indescritível, que não se consegue entender ou nomear; a vida não faz sentido e perde o seu brilho. As compras desenfreadas, as festas e as bebedeiras, o sexo e o consumismo tentam desesperadamente preencher essa lacuna que fica no sentido da existência humana. Afinal de contas, em meio a tantas dores e dificuldades para conseguir aquilo que a mídia diz que é preciso ter para ser importante e amado, qual o sentido disto tudo? Qual o sentido de toda esta luta?


As cortinas transparentes não revelam 
O que é solitude, o que é solidão
 Um desejo violento bate sem querer
Pânico, vertigem, obsessão
(Essa noite não, Lobão, 1989)


Os desejos e os quereres confundem-se com o que se espera da pessoa. E, algumas vezes, acaba-se por perder os sonhos que outrora foram essenciais para se constituir como ser. Dessa forma, quando é que realmente nos defrontamos com o estar sozinho consigo mesmo em uma jornada para se conhecer e quando simplesmente estar só é aterrorizador porque iremos nos deparar com a nossa verdadeira essência e o que há de bom e ruim nela?


Tá sozinha, tá sem onda, tá com medo 
Seus fantasmas, seu enredo, sem destino
 Toda noite uma imagem diferente 
Consciente, inconsciente, desatino
(Essa noite não, Lobão, 1989)


A maior expressão da angústia, a depressão e o desejo de não mais sofrer, podem ser vivenciados de formas desastrosas, danosas à saúde física e psíquica. Ou podem ser compreendidos como uma oportunidade para se reinventar, se redescobrir. Para isso é preciso coragem para falar e mexer naquilo que foi jogado embaixo do tapete... É uma oportunidade, de dizer “Tristeza, essa noite não! Essa noite quero aprender com você”. Ela pode ser a bússola que indica o que está de errado em sua trajetória e a guia para as próximas reflexões. 

E assim, o psicólogo pode ser aquele que irá lhe acompanhar nesta jornada frente ao redescobrimento de si mesmo, sendo testemunha do desabrochar e interlocutor das reflexões que o viver e as dores, alegrias e amores trazem a todo e qualquer ser humano.