Comecei escrevendo este texto há uns bons seis anos. Ele ficou engavetado e algumas frases chaves foram utilizadas para construir um artigo mais acadêmico. No entanto, é uma temática que sempre percorreu a minha história estudantil e profissional. Agora com todos os alardes que ocorrem devido ao aumento de número de bebês com microcefalia é preciso que a sociedade pense um pouco sobre as dificuldades que irão recair sobre essas famílias e principalmente nessas mães. Já se perguntaram como é cuidar de uma pessoa que não fala? Que não se move? Que não demonstra em seu rosto o que está sentindo? Como uma mãe, que faz sonhos e espera um filho lindo e maravilhoso, consegue aguentar a pressão de conviver dia-a-dia com uma criança que não corresponde aos seus mais íntimos sonhos?
Se você perguntasse a essas mães como elas aguentam isso, elas responderiam apenas que são mães e é o seu dever cuidar do seu filho não importa como ele seja. Elas responderiam que eles são anjos e lhes ensinam muitas coisas, mudaram suas vidas, um presente mandado as suas famílias por Deus. Sei disso pois fiz um trabalho voluntário durante quase três anos com mães especiais e era assim que elas falavam.
Olhando assim de fora é um quadro lindo: as mães renunciam suas vidas. São mulheres que renunciaram tantas outras atividades conquistadas duramente nas últimas décadas e voltam ao lar, impedidas por uma doença a desenvolverem seus outros potenciais e vale salientar: uma doença que não é sua, mas de um de seus filhos, elas normalmente estão na mais perfeita saúde física. A sina destas mulheres é serem mães especiais! Sua dádiva: é aprender com essas crianças especiais! E as crianças vivem “felizes” em suas doenças, tendo alguém que cuide delas. As mães se dizem felizes e poucas são as que percebem estarem atreladas a uma vida de atribuições, muitas vezes ingratas.
Mas, se aprofundarmos um pouco mais, o que acontece quando ao abdicar de tudo por uma criança você abdica ao seu próprio eu? Uma pessoa poderá ajudar outra a crescer e aprender se não cuidar de si mesma?
O que vemos ao trabalhar com essas mães é que a dor, o medo, a falta de informação transformam esse amor em uma faca de dois gumes: o amor que cuida é aquele que sufoca. Elas não falam sobre sua frustração, sobre seus medos e, se colocam em um altar: Mulheres Guerreiras e Vencedoras. Não lhes tiro a razão de pensar assim. Mas ao não falarem, ao não exporem seus erros, o medo e a insegurança pouco a pouco preenchem a relação com seus filhos. Não existe alguém que lhes diga que a insegurança faz parte do caminho e que é preciso procurar ajudar, não só para seus filhos, mas para elas. Que elas não poderão trilhar esse caminho tão árduo sozinhas, como se fossem mães de crianças "normais".
A sociedade muitas vezes rejeita e a própria família extensa repele a criança especial e sua família nuclear. As mães notam o olhar de que algo está errado e que isso é inaceitável. O preço do preconceito elas e seus filhos irão levar para o resto da vida.
Ao ouvirem, como diria Winnicott, que errar é humano e elas podem odiar e amar seus filhos especiais, que por mais que pareça elas não estão sozinhas e as barreiras do preconceito podem ser vencidas, elas choram e choram... Um choro que traz o perdão para seus atos. Choro que alivia a solidão.
A sociedade precisa acordar para a delicadeza desta situação, para as luzes e as sombras que existem nestes relacionamentos e estenderem as mãos para aliviar o fardo e compartilhar do aprendizado que estas famílias recebem. A compaixão precisa ser encontrada, a ideia de amor incondicional toma forma, aprende-se com a imperfeição. Não é pretensão ensinar melhores formas de lidar com estas crianças, algumas informações são válidas. Porém o mais importante é dar voz. Voz a estas mulheres e suas famílias para que elas possam falar não só de suas alegrias, mas também de suas dores. Para que todos possam aprender devagarinho e regada a dores, e alegrias, como se comunicar com esses pequenos seres humanos ou com qualquer outro ser que não fale a mesma língua que a nossa.
- WINNICOTT, D. W.; A família e o desenvolvimento individual. 3° Ed., São Paulo: Martins Fontes, 2005, p. 247 (Psicologia e Pedagogia)
- ________; Conversando com os pais. 2° Ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999, p. 152 (Psicologia e Pedagogia)

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