segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

Como falar sobre a morte com crianças?

Utilizemos uma metáfora: uma borboleta para nascer precisa morrer como lagarta. Mudanças, transformações é isso que toda morte acarreta na vida das pessoas. E, por isso, temos uma certa precaução ao falar de morte com crianças. Elas são tão pequenas, tão inocentes, como contar para ela que seu ente querido não irá voltar? Como contar que toda a sua vida irá mudar?

Algo que sempre deixamos escapar é a realidade inevitável da morte. Única certeza da vida. E a constante mudança que é a característica única do viver. Quem vive está o tempo todo mudando, porquê o tempo todo aprende e vivencia novas situações e até mesmo aquilo que pareça igual, rotineiro, torna-se diferente, pois, envelhecemos, conhecemos novas pessoas, vemos filmes e lemos livros que abrem nossa mente para várias realidades. 

Falar de morte com crianças é falar da vida. É ensiná-las sobre a necessidade de aproveitar todos os momentos da melhor forma possível, pois nunca saberemos quando é o último adeus. Quando falo em aproveitar os momentos, não é apenas diversão, brincadeiras e festas. É saber ouvir o outro, dizer que ama, aproveitar o tempo que se tem com aqueles que moram dentro do coração. É não perder tempo com brigas bobas e compreender que nem sempre vamos concordar com tudo que os outros dizem ou esperam de nós, mas podemos aceitar os sentimentos e as diferenças e descobrir a beleza da vida nesses detalhes. Para que depois os arrependimentos por não ter dito ou vivido aquilo com determinada pessoa não seja uma bagagem pesada demais para carregar.

Enfim, o jeito que a criança tem de entender a morte é diferente do jeito que o adulto entende. Existe uma variação que percorre a faixa etária e o quanto a criança consegue compreender ideias abstratas. Pois bem, crianças menores normalmente tendem a acreditar que aquele que foi morar com o papai do céu, pode voltar para visitá-la de vez em quando, ocorrendo vários causos sobre a criança ver e ouvir o morto. Ou seja, para elas é possível que o morto, possa viver novamente. Lidamos com isso brincando e nem percebemos: quantas vezes fingimos que morremos para logo depois voltarmos a correr e dar risadas? Pois é, a morte faz parte do nosso dia a dia. 

Principalmente na infância, as mudanças são tantas e as perdas tão frequentes que isso é dado de forma natural. Deixamos de ser bebês, passamos a ser criancinhas, passamos a ser mocinhas e mocinhos, para sermos pré-adolescentes, adolescentes, jovens adultos, adultos e idosos. Faz parte do ciclo. Mas onde ocorre as maiores transformações? Onde as perdas são mais frequentes? Na pequena faixa etária entre 0 a 18 anos. Elas estão o tempo todo lidando com perdas. A perda do brinquedo preferido. Dos professores. Do que se pode ou não fazer. As crianças quando vão se tornando mais velha, vão percebendo que algumas coisas não voltam e por volta dos 11, 12 anos de idade, elas já possuem a ideia da morte, semelhante a do adulto. É possível entender abstratamente isso que os adultos chamam de "ir morar com o papai do céu" e de porquê os mortos não voltam quando estamos com saudade. 

Por isso, uma criança também necessita passar pelos rituais sociais de despedida do morto: velório, enterro e etc. Por isso é preciso deixar uma porta aberta para que a criança saiba que pode conversar com as pessoas ao seu redor sobre aquele que se foi. Tirar dúvidas, falar da saudade, das lembranças. As vezes, é mais difícil para o adulto trazer essas lembranças à tona e por isso fica mais fácil dizer que a criança é muito nova para entender. Claro, que ela não vai entender como os adultos entendem! Mas ela sente a falta, assim como eles. Livros, desenhos animados, filmes e músicas ajudam a trazer de uma forma mais lúdica o assunto e talvez de uma forma mais leve também.


É importante falar sobre a morte. É importante falar sobre os mortos. Para que eles não assombrem a jornada dos que ainda estão vivos. Se sentir vontade de chorar quando estiver conversando com a criança, chore! Por que não? É uma questão de ensinar a lidar com os sentimentos que todos possuem.   É, simplesmente, aprender a dançar ao som da vida.


Publicado originalmente no site Agenda Saúde em 03 de Fevereiro de 2016:
http://www.agendasaude.net/2016/02/como-falar-sobre-morte-com-criancas.html 

Nenhum comentário:

Postar um comentário