Romeu e Julieta (Ato III - Cena V [fragmento])
| (O último beijo de Romeu e Julieta - Francesco Hayes) |
Julieta: Já vais partir? O dia ainda está longe.
Não foi a cotovia, mas apenas
o rouxinol que o fundo amedrontado
do ouvido te feriu. Todas as noites
ele canta nos galhos da romeira.
Romeu: É a cotovia, o arauto da manhã;
não foi o rouxinol. Olha, querida,
para aquelas estrias invejosas
que cortam pelas nuvens do nascente.
As candeias da noite se apagaram;
sobre a ponta dos pés o alegre do dia
se põe, no pico das montanhas úmidas.
Ou parto, e vivo, ou morrerei, ficando.
Julieta: Não é do dia aquela claridade,
podes acreditar-me. É algum meteoro
que o sol exala, para que te sirva
de tocheiro esta noite e te ilumine
no caminho de Mântua. Assim, espera,
não precisas partir assim tão cedo.
Romeu:
Que importa que me prendam, que me matem?
Serei feliz assim, se assim o quiseres.
Direi que aquele ponto acinzentado
não é o olho do dia, mas o pálido
reflexo do diadema da alta Cíntia,
e também que não foi a cotovia,
cujas notas a abóbada celeste
tão longe ferem sobre nossas frontes.
Ficar é pra mim grande ventura;
partir é dor. Vem logo, morte dura!
Julieta quer assim. Não, não é dia.
Julieta: É dia; foge! A noite se abrevia.
Depressa! É a cotovia, sim, que canta
desafinada e rouca, discordantes
modulações forçando e insuportáveis.
Dizem que ela é só fonte de harmonia;
não é assim, pois ora nos divide.
Há quem diga que o sapo e a cotovia
mudam os olhos. Oh! quisera agora
que ambos a voz também trocado houvessem,
pois ela nos separa e, assim tão cedo,
como grito de caça mete medo.
Oh vai! A luz aumenta a cada instante;
Romeu: A luz? A escuridão apavorante.
(Shakespeare, W.; Tragédias: Teatro Completo; tradução de Carlos Alberto Nunes. Rio de Janeiro: Agir, 2008. p. 57).
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