quarta-feira, 23 de março de 2016

Momento Poético: A Solha

A Solha*



Quando Nossa Senhora andava pelo mundo,
trazendo ao colo um deus, foi bater, certo dia,
à hora da preamar, a um rio muito fundo,
de barreira muito alva, e água muito sombria.

Era um risco passar. Mas a Virgem Maria,
ante o equóreo lençol todo em peixes fecundo,
quis saber, vendo perto uma solha vadia,
se o rio, na vazante, era feio e profundo.

E indagou: "Solha, dize, a maré enche ou vaza?"
Mas a solha, a zombar, por um hábito antigo,
torce a boca, e a arremeda, a pular na onda rasa.

E é daí, e em razão desse negro pecado,
que a solha começou, por severo castigo,
a rodar pelo mar, tendo a boca de um lado.


Humberto de Campos
§Miritiba - Maranhão, 1886

*Linguado

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