domingo, 1 de novembro de 2015

É impossível esquecer você



"Tudo que morre fica vivo na lembrança
Como é difícil viver carregando um cemitério na cabeça"


A morte é algo peculiar. Uma realidade que o cérebro humano não consegue processar. Imaginar o nada absoluto é algo que tentamos observar, é algo que entendemos filosoficamente, mas muito difícil de atingir realmente a meta. O vazio, aquela sensação a qual não conseguimos nomear e vamos procurando as bordas, os limites, só consegue ser exemplificada pela analogia da escuridão e mesmo assim, a escuridão é apenas a ausência da luz, ao se colocar luz, voilà, tudo é visível, tudo! Não existe mais o nada!

É dessa forma que desde a antiguidade o ser humano tenta contar sua história: o ponto de partida é o nada, o vazio, o oceano de potencialidade e é para lá que a vida novamente se conduz ao encontrar sua finitude. Encontramos em textos de religiões pré-cristãs a semente da explicação cosmogênica que abrange praticamente todas as culturas conhecidas atualmente, pode procurar! Quem nunca escutou a frase “No início, tudo era escuridão e então, Deus falou e fez-se a luz”? Os mitos existentes em diversas culturas do planeta sobre a cosmogênese começam com variações dessa frase: “No início, tudo era escuridão”, “No início, tudo era o nada”, “O nada condensou-se e houve a primeira explosão dando início a um ser inteligente”, e por aí vai. A continuação da história e a criação da vida humana e do planeta Terra dão-se pelo primeiro suspiro, pelo primeiro verbo ou pelo primeiro som emitido pela divindade primordial do qual todos fazemos parte, do qual todos somos uma centelha. A morte, dentro dessas perspectivas filosófico-religiosas, é apenas o retorno ao seio desta divindade e com o passar dos tempos ganhou vários nomes também, “país do verão”, “paraíso”, “céu” e etc. No entanto, não é isso que nos interessa agora. Como ou quando e para onde vai a consciência que dá vida a este corpo que temos em vida, seja aquela chamada de alma, espírito, consciência, ou como queiram, não é o ponto de reflexão de nossa pequena história, mas sim tudo aquilo que morre e fica vivo na lembrança.

É interessante observar que até termos a necessidade ou o encontro com a perda ou a morte, não atinamos para a quantidade de músicas, filmes, obras de artes que nos remetem a este momento inevitável na vida de todo ser humano. A música “Impossível” da banda Biquini Cavadão fala justamente deste momento de perda, quer seja ela por um rompimento amoroso, ou por uma morte. O fator “x” é a elaboração dessa perda.

Na sociedade atual, muitos vivem como fala a música: carregando cemitérios na cabeça. Ou seja, a vida em si está tomada por lembranças de perda e sentimentos que não são elaborados e dessa forma compreendidos. A meu ver, este “não falar” coloca o sujeito em três posições distintas: aquele que sempre sente a dor da perda e a vive com um looping no espaço temporal, dando voltas e voltas tentando entender o que houve, o que Freud em seu artigo “luto e melancolia” ([1915] 1917) chamaria de melancólico; aquele que por medo de sofrer novamente, fecha-se em si mesmo e deixa de experienciar novas relações; e, por fim, aquele que prefere ignorar e passar por cima dos próprios sentimentos, vivendo como se nada tivesse acontecido. No fim das contas, aqueles que não cuidam de suas dores, de suas emoções, acabam adoecendo psicologicamente e/ou emocionalmente, cedo ou tarde.

A pouca experiência clínica que tenho indica que muitos daqueles que estão sofrendo, que estão tristes e não sabem por que, que recebem o diagnóstico de depressão, trazem lutos não elaborados, carregam “cemitérios na cabeça”, de perdas por morte real ou por relacionamentos, oportunidades, sonhos...

Quando perdemos algo ou alguém perdemos também uma parte de nós mesmos. Parte esta que viveu e aprendeu na interação com o objeto perdido. Não nos damos conta da quantidade de perdas que acumulamos durante a vida, não percebemos que viver significa aprender a lidar com a perda, com o não ter.




"E não podemos evitar que a vida trabalhe com o seu relógio invisível
Tirando o tempo de tudo que é perecível.
 ...
É impossível, é impossível esquecer você
É impossível esquecer o que vivi
É impossível esquecer, o que senti"


A dor do “impossível esquecer” é imensurável e cada sujeito conhece e, apenas ele, conhece o tamanho da dor que sente. Não tem como comparar, como modificar os acontecimentos que levaram à perda. É impossível esquecer, porque a relação está inscrita na história de vida do sujeito e dessa maneira ela é parte dele. Somos uma colcha de retalhos, somos feitos da interação que construímos com o mundo a nossa volta. E a dor da perda não pode ser esquecida, ela pode ser amenizada, ela pode ser transformada.





“Mas antes que eu me esqueça, antes que tudo se acabe
Eu preciso, eu preciso, dizer a verdade”







Aqueles que se permitem dizer a verdade, delimitam o vazio que não conseguimos nomear, escrevem suas próprias cosmogêneses e renascem das cinzas daquilo que foram com aquele que foi perdido.


“Mas eu sei que no coração ficaram muitas palavras
Um vocabulário inteiro de ilusão”
(Impossível - Biquini Cavadão)


Ao dar vazão ao “vocabulário inteiro de ilusão”, despedem-se dos sonhos que teceram sobre a relação e o seu futuro. Quando o morto deixa de estar no pedestal da santificação por ter falecido; quando ele deixa de estar no lugar de todo o mal que foi erradicado; quando ele passa a ser mais um aprendizado na vida dos que ficaram, estes últimos podem dar prosseguimento ao seu processo de crescimento, pois eles deixam de querer e ter, passam a aceitar que nunca terão o total controle de suas vidas. Eles passam a “Ser”, simplesmente “Ser”.






A música "Impossível" realmente foi escrita falando sobre a morte, no entanto, muitas vezes é utilizada e compreendida como balada romântica.


Referências:
  • BIQUINI CAVADÃO; Impossível (1991). Produzido por: Carlos Beni. Gravadora: Polygram, 1991.
  • FREUD, Sigmund. Luto e melancolia, 1917 [1915]. Rio de Janeiro: Imago, 1996. p. 243-263. (Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, 14).
  • SILVA, P. J. C. da; Lembrar para esquecer: a memória da dor no luto e na consolação. Rev. Latinoam. Psicopat. Fund., São Paulo, v. 14, n. 4, p. 711-720, dezembro 2011




domingo, 4 de outubro de 2015

MedCenter Garanhuns - O Centro Ideal para sua Saúde!


O ambiente para atender um paciente pode ser qualquer um. No entanto, se podemos em um só local ter facilidade de acesso, pessoas competentes que lhe atendem e um lugar aconchegante para falar sobre suas dores, nada melhor, né?

É por isso que eu e meus companheiros de sala, Sofia Holanda e Eliakim Urbano, escolhemos a MedCenter Garanhuns - O Centro Ideal para sua Saúde como local ideal para montar o nosso consultório psicológico.

Contamos com o apoio dos administradores e dos diversos profissionais que lá se encontram para melhorar a qualidade de vida dos nossos pacientes sem que eles necessariamente precisem rodar e rodar para encontrar algumas especialidades da área de Saúde. Exemplo: por atender muitas crianças, algumas com problemas "normais" da infância e outras com um quadro mais grave, como as que possuem o Transtorno Invasivo do Desenvolvimento, necessitamos as vezes do apoio de outros profissionais da área de saúde, como a fonoaudióloga, a TO, as vezes o fisioterapeuta e até mesmo a nutricionista, ou um dentista que também atenda criança.

Claro que nossos profissionais não abarcam toda essa demanda, mas ter alguns deles ali perto facilita o contato de profissional para profissional, proporcionando para o paciente um atendimento mais global, mais transdiciplinar.

Esperamos por você!


domingo, 27 de setembro de 2015

Campanha Dia das Crianças 2015

Dia das crianças está chegando. Nesta data muitas crianças recebem presentes, brinquedos, vão para festa em homenagem a sua infância. No entanto, muitas outras crianças do nosso país não possuem essa oportunidade. Seja ajudando a criar brinquedos com material reciclado, contando histórias,  utilizando a imaginação para criar brincadeiras ou fazendo alguma doação material ou de seu próprio tempo, o importante é levar o amor e esperança aqueles seres humanos que muitas vezes não viram nem um décimo do que já vimos desse mundo. 
O acesso a informação e a comodidade da vida moderna, infelizmente, é para alguns. Por isso, muitos seres humanos solidários se reúnem para ajudar aqueles mais necessitados. É o que conhecemos por caridade. E dessa forma é que faço a minha parte ajudando na divulgação e no arrecadamento e organização desta Campanha para o Dia das Crianças de 2015 para as comunidades carentes de Lagoa do Ouro e Igapó, situadas no interior de Pernambuco.

Segue o pedido de nossa querida Cecinha para que todos coloquem "a mão na massa":

Prezados(as),
Está se aproximando o dia das crianças e sei que já estamos em cima da hora, porém existem crianças carentes entre meninos e meninas na faixa etária de 0 a 15 anos da cidade de Lagoa do Ouro e Igapó povoado próximo, estas crianças fazem parte de um projeto elaborado pelo casal Carlos Olinda e Carla Jumara, que administram vários cursos de música, dança, capoeira, reforço escolar com recursos próprios e alguma ajuda do serviço social e de moradores daquela cidade.
Solicito a quem quiser colaborar com:
brinquedos, alimentos não perecíveis, roupas, livros novos/usados(para biblioteca) ou dinheiro entrar em contato comigo até o dia 14/10/2015.
Obrigada.

Ação do Dia das Crianças de 2014.

quarta-feira, 24 de junho de 2015

Momento Poético

Dorme enquanto eu velo...
Deixa-me sonhar...
Nada em mim é risonho.
Quero-te para sonho,
Não para te amar.


A tua carne calma
É fria em meu querer.
Os meus desejos são cansaços.
Nem quero ter nos braços
Meu sonho do teu ser.

Dorme, dorme. dorme,
Vaga em teu sorrir...
Sonho-te tão atento
Que o sonho é encantamento
E eu sonho sem sentir.

Fernando Pessoa

quarta-feira, 17 de junho de 2015

Momento Poético - Abdicação

Toma-me, ó noite eterna, nos teus braços
E chama-me teu filho... eu sou um rei
O Aconchego da Morte - Rocco Caputo
que voluntariamente abandonei
O meu trono de sonhos e cansaços.

Minha espada, pesada a braços lassos,
Em mão viris e calmas entreguei;
E meu cetro e coroa - eu os deixei
Na antecâmara, feitos em pedaços

Minha cota de malha, tão inútil,
Minhas esporas de um tinir tão fútil,
Deixei-as pela fria escadaria.

Despi a realeza, corpo e alma,
E regressei à noite antiga e calma
Como a paisagem ao morrer do dia.


Fernando Pessoa, 1913

quarta-feira, 10 de junho de 2015

Momento Poético - Dobre


Peguei no meu coração

E pu-lo na minha mão

Olhei-o como quem olha
Grãos de areia ou uma folha.

Olhei-o pávido e absorto
Como quem sabe estar morto;

Com a alma só comovida
Do sonho e pouco da vida.

Fernando Pessoa, 1913

sábado, 6 de junho de 2015

Realidade e Reflexos na Televisão!

Na televisão brasileira de hoje em dia o quê será que realmente é saudável para a nossa mente? Decerto que encontramos muitas bobagens e que as pessoas que trabalham em produzir entretenimento nem sempre se preocupam em melhorar a qualidade da televisão, mas será que isso quer dizer que nada presta nos nossos programas televisivos? Quanto mais o povo estiver alienado melhor, contudo será que todos estão alienados?

Nem tudo são trevas como parece. Dependendo da educação familiar, da vida que a pessoa teve e tem, ela consegue não se deixar levar pelos programas sensacionalistas, e procura retirar o melhor de tudo que assiste.

As pessoas reclamam que não existe o que assistir na televisão, que os desenhos estão violentos e influenciando nossas crianças, que os filmes apenas mostram o lado corrompido da nossa vida cotidiana, mas falar isso é generalizar o que nos é tão familiar. O que vemos é o reflexo da dualidade do bem e do mal que existe no universo. Todos possuem os dois e precisamos sempre tê-los em equilíbrio.

Ou seja, taxar um desenho de violento, não quer dizer necessariamente que ele vá influenciar as crianças, não é dizer que elas se transformarão em pessoas violentas. Sofremos influência do ambiente em que vivemos, isso é certo, porém não podemos exagerar. Nós temos o direito de escolher o que nos faz bem e mal, só nós sabemos o que nos faz bem e isso depende das nossas experiências de vida. Talvez tudo que é produzido para nós assistirmos não passe de um reflexo da nossa humanidade, do que nós temos vivido. Além do mais, o controle está nas nossas mãos, então é mudar de canal quando o programa não for do agrado, ou tentar descobrir o que aprender com aquilo que está passando na telinha, somos adultos, podemos fazer isso e as crianças... bem... elas só precisam da orientação de um adulto, que a ajude a entender e filtrar o que ela está assistindo.

Nisso tudo, eu só vejo um problema: a história nos conta que tudo acontece desse modo desde o começo dos tempos, a violência, as guerras, o sexo e etc. E como hoje em dia, nós temos uma maior circulação de informações, por causa da globalização, e uma liberdade de expressão muito maior, deve ser por isso que nos chocamos mais com o que vemos. 

Então, só nos resta apenas aprender com o passado e mudar o nosso presente, salvando o nosso futuro, refletindo melhor com as construções que fazemos com o que adentra nossas vidas pelos nossos sentidos da audição e da visão e dessa forma contribuindo para as mudanças de atos em nossa realidade concreta para que ela possa acessar a realidade virtual existente nos meios artísticos.

Ou seja, fica a dica ;) A vida imita a arte ou a arte imita a vida?

quarta-feira, 3 de junho de 2015

Momento Poético - Intervalo

Quem te disse ao ouvido esse segredo
Que raras deusas têm escutado -
Aquele amor cheio de crença e medo
Que é verdadeiro só se é segredado?...
Quem te disse tão cedo?

Não fui eu, que te não ousei dizê-lo.
Não foi um outro, porque não sabia.
Mas quem roçou da testa teu cabelo
E te disse ao ouvido o que sentia?
Seria alguém, seria?

Ou foi só que o sonhaste e eu te o sonhei?
Foi só qualquer ciúme meu de ti
Que o supôs dito, porque o não direi,
Que o supôs feito, porque o só fingi
Em sonhos que nem sei?

Seja o que for, quem foi que levemente,
A teu ouvido vagamente atento,
Te falou desse amor em mim presente
Mas que não passa do meu pensamento
Que anseia e que não sente?

Foi um desejo que, sem corpo ou boca,
A teus ouvidos de eu sonhar-te disse
A frase eterna, imerecida e louca -
A que as deusas esperam da ledice
Com que o Olimpo se apouca.

Fernando Pessoa

quarta-feira, 27 de maio de 2015

Momento Poético - Equilibrista



A vida...
Um fio de aço no espaço
Tente encontrar a saída
Não podes perder o compasso
O cinto de segurança
Apenas um laço
Invisível
Frágil
Imperceptível
Contornando tua cintura
E lá das alturas
O perigo a te ameaçar
Mas continue a tentar
Do outro lado precisas chegar
Caminhe sem olhar para baixo
Correndo mil riscos no espaço
E um após o outro
Vá dando teus passos
Treme o fio de aço
Chuvas, depois tempestades
Mas não percas a coragem
Porque ainda virá o vendaval
E terás que trilhar teu caminho normal
Exiba-se como equilibrista
Trocando os pés
Um de cada vez
Com classe
Com a maior elegância

Com constância
Imune aos perigos
O segredo, é para baixo não olhar
O risco, é desequilibrar
A vitória, é o outro lado alcançar.

Silvana Duboc

quarta-feira, 13 de maio de 2015

Momento poético - Balada do Amor Através das Idades

Boa noite, pessoal!

A arte e os sentimentos caminham juntos. Muitas vezes não conseguimos expressar aquilo que sentimos com palavras objetivas. Então, músicas, filmes, poesias, livros, quadros, dentre outras formas de arte, expressam tudo aquilo que não conseguimos pôr em palavras. Tomamos emprestados de outros meios para falar dos sentimentos, das dores, das alegrias.

Por isso, nada melhor do que compartilhar com vocês algumas poesias que fui encontrando pelo caminho, desde de poetas conhecidos e daqueles desconhecidos que estão no início de suas jornadas. Deixo inclusive aberto aqueles que quiserem compartilhar de seus escritos este espaço, seja nos comentários, ou em postagens próprias (se quiserem! Mandem e-mail para rosariocamarapsi@gmail.com, com o nome que querem como assinatura, título e lógico a poesia).

As quartas serão, a partir de hoje, um momento poético! Espero que gostem! 

Comecemos com Carlos Drummond de Andrade:

Balada do Amor através das Idades
Amor Platônico - Tenini

Eu te gosto, você me gosta
 desde tempos imemoriais.
 Eu era grego, você troiana,
 troiana mas não Helena.
 Saí do cavalo de pau
 para matar seu irmão.
 Matei, brigámos, morremos.

 Virei soldado romano,
 perseguidor de cristãos.
 Na porta da catacumba
 encontrei-te novamente.
 Mas quando vi você nua
 caída na areia do circo
 e o leão que vinha vindo,
 dei um pulo desesperado
 e o leão comeu nós dois.

 Depois fui pirata mouro,
 flagelo da Tripolitânia.
 Toquei fogo na fragata
 onde você se escondia
 da fúria de meu bergantim.
 Mas quando ia te pegar
 e te fazer minha escrava,
 você fez o sinal-da-cruz
 e rasgou o peito a punhal...
 Me suicidei também.

 Depois (tempos mais amenos)
 fui cortesão de Versailles,
 espirituoso e devasso.
 Você cismou de ser freira...
 Pulei muro de convento
 mas complicações políticas
 nos levaram à guilhotina.

 Hoje sou moço moderno,
 remo, pulo, danço, boxo,
 tenho dinheiro no banco.
 Você é uma loura notável,
 boxa, dança, pula, rema.
 Seu pai é que não faz gosto.
 Mas depois de mil peripécias,
 eu, herói da Paramount,
 te abraço, beijo e casamos.

Carlos Drummond de Andrade, in 'Alguma Poesia'

segunda-feira, 20 de abril de 2015

Sobre pais...




[...] Um dia, quando tinha dois anos, ela (Wendy) estava brincando no jardim e, depois de colher mais uma flor, correu para junto de sua mãe. Acho que devia estar linda, pois a sra. Darling levou a mão ao coração e exclamou: “Ah! Se você ficasse assim para sempre!”. Foi tudo o que aconteceu entre elas em relação a esse assunto, mas a partir daí Wendy soube que teria de crescer. A gente sempre sabe, quando tem dois anos. Dois é o começo do fim.
(Barrie, 1999, p.7)



Adoro essa citação do livro do James Barrie, Peter Pan e Wendy, ela é singela e sábia: a Sra. Darling, mãe da Wendy, sabia que não poderia manter a filha para sempre com dois anos, onde ela ainda seria aquela fofurinha de bebê que faz várias travessuras e todo mundo acha engraçado e bonitinho porquê é um bebêzinho que está explorando o mundo e ainda possui a tal ingenuidade infantil.



Os pais precisam saber que as crianças não vão ser sempre essas coisas fofas que eles tanto amam e precisam aceitar que de vez em quando vão sentir muita raiva e talvez até mesmo desejar que elas não tivessem existido, e o mais importante, que os seus filhos também irão ama-los e odiá-los. Ah! E claro, eles irão dar trabalho! Muito trabalho! Crianças não são bonecos, que a gente coloca em um canto e eles ficam. Eles irão gritar, conversar, bagunçar, pular, fazer coisas erradas, fazer coisas certas, lhe irritar, lhe dar carinho e mais um monte de coisas que os próprios pais também fazem em suas relações.


Pois bem, escuto os pais que chegam ao consultório queixando-se que seus filhos estão agressivos, chatos, abusados, respondões, e que eles não aguentam mais, estão cansados, perdidos e já tentaram de tudo, não fazem mais ideia do que fazer. Pergunto a idade das crianças e eles me respondem, sérios: três, quatro, cinco anos... Oi??? Fico me perguntando como é que uma criança de três anos de idade consegue bater em um adulto que tem praticamente o terço do seu tamanho? Mas, acontece...


Começamos a conversar e eles falam o quanto é diferente a educação e o respeito que eles possuíam com seus pais, com a que seus filhos possuem por eles. Eles não se comparam aos seus pais, mas lembram-se de como eram como filhos. Levando em conta que algumas lembranças são uma mescla do que vivenciamos e do que escutamos as outras pessoas falando sobre nós, vai saber o que os pais realmente achavam ou como eles se sentiam na época. O que mudou? Será que as tapas e castigos físicos faziam tanta diferença assim? Será que eram os gritos? Ou o espaço para brincadeiras?


Ok! Ok! Admito! A vida mudou muito... mas também não é pra tanto.


Se vocês me perguntarem o que eu acho, eu vou lhes dizer, de uma pessoa que não tem filhos, observa de longe e, sem querer me gabar, mas que as crianças adoram, o que falta são elementos muito simples: Atenção, Paciência, Respeito e Compreensão!


Não só dos pais para com seus filhos, ou dos seus filhos para com seus pais, mas inclusive de si para consigo mesmo.


Vejam bem, é preciso ter compreensão para com todos os envolvidos. Os pais estão exaustos dos seus próprios trabalhos e possuem os seus próprios problemas emocionais, muitas vezes devido a relacionamentos no trabalho, com os parceiros e por aí a fora. Os filhos estão cansados de ficar sozinhos, de passarem o dia todo assistindo os mesmos vídeos, de fazer atividades de escola, ou simplesmente de sempre ouvirem não: "Não podem fazer isso, não podem fazer aquilo! Não posso prestar atenção em você agora, espere um pouco, estou trabalhando"!


Tic... Tac.. Tic... Tac...


O tempo está passando e assim como o jacaré que fica atrás do Capitão Gancho para conseguir um pouco mais de naco da carne do capitão, assim o tempo está atrás desses pais e desses filhos...


Tic... Tac... Tic... Tac...


Compreensão de que o tempo passa, as crianças crescem e o tempo não volta atrás. Compreensão para entender que cada um tem sua forma de viver e suas prioridades. Então, chegamos ao respeito, pois as crianças também possuem suas prioridades, suas necessidades, que vão tornando-se diferentes a medida que vão crescendo.


Paciência para aprender a esperar e fazer com que os tempos convirjam para um mesmo ponto: o da atenção para com o cuidado e carinho que todos merecem. Essa atenção deve vir dos próprios pais, pois a criança precisa aprender a esperar e se os pais não lhe ensinarem isso, a vida vai ensinar de forma mais difícil quando estiverem mais velho.


Os pais precisam de tempo para si, como sujeitos que possuem sua própria individualidade e do seu tempo de solidão, do tempo de casal - para que o par parental não sucumba as adversidades do dia a dia - e, precisam entender que necessitam de tempo para encontrarem sua forma de serem pais e por isso, precisam prestar atenção no que sentem para entenderem a si e aos seus filhos. Ou seja, muita atenção aos seus próprios sentimentos e necessidades.


Até porque é tanta informação de como fazer e de como agir que noto que eles tornaram-se meio maluquinhos, sabe? "Faço o que minha mãe disse? Ela criou não sei quantos... Ou será, melhor fazer como o marido disse... Ai, e a reportagem que eu vi na televisão... Ai, meu deus, a psicóloga disse para que eu fizesse assim"...


Só que no dia a dia, na hora "H", é você e apenas você, sua forma de ser, que irá dizer como você agirá naquele momento. É a sua essência, aquilo que você é e como você reage aos testes que a vida impõe que irá oferecer uma resposta e um exemplo ao seu filho.


Então, é o que peço aos pais de crianças tão pequenas que ainda possuem sua moral e ética em formação para pensarem: qual o exemplo que você está dando ao seu filho? Quer que seu filho seja amoroso, gentil e paciente? Observe-se! Você também é assim? Você também é amoroso, gentil e paciente para com eles? Pois, um fruto nunca caí longe da árvore. E, crianças pequenas... Bem... Elas ainda são pequenas... Ah! E são crianças, não bonecos, que não se mexem, não falam, não pensam e não possui vontade.








domingo, 12 de abril de 2015

Caminhada pela Conscientização do Autismo em Garanhuns - 11 de Abril

No dia 02 de Abril todo o mundo ficou azul. Luzes azuis foram acesas, roupas azuis foram tiradas do guarda roupa e desfiladas pelas ruas, tudo isso para chamar a atenção da população para a causa das crianças autistas.

Há algum tempo essas crianças viviam à margem de nossa sociedade. Elas existiam, claro! Mas, estavam escondidas em suas casas, em quartos, algumas vezes até amarradas. Eram tidas como loucas, deficientes... Eram esquecidas... Seus pais não sabiam muito bem o que fazer com elas, pois não havia voz, não havia olhar, não havia interação da parte delas, existia agressividade, gestos estranhos, como andar na ponta dos pés, ou ficar girando e girando, balançando as mãos, fixação por determinados objetos, a utilização das mãos dos pais ou de qualquer outra pessoa como se fosse um objeto. Eram tidas como estranhas, mal educadas, incontroláveis e por isso mesmo eram guardadas a sete chaves. Eram um estigma para toda a família. 

Era assim em Garanhuns, interior de Pernambuco, era assim em muitos outros locais e para muitas outras famílias. No entanto, como é bom observar a mudança que lentamente está ocorrendo e a busca pela melhoria da qualidade de vida e das interações destas crianças. 

Em Garanhuns, do dia 02 ao dia 11 de Abril do corrente ano, houve a Semana do Autismo, uma semana para conscientizar e abrir os olhos da sociedade para estas crianças e seus familiares. Organizada e encabeçada por uma mãe que luta por seu filho e seus direitos, que luta por outras mães e outras crianças, a semana é organizada para que a população receba panfletos informando sobre o que é o autismo e flores azuis entregues no primeiro e último dia da ação. A organizadora percorre as escolas explicando, clareando e informando pais e professores sobre estas crianças e a vida do cuidador de um anjo, como muitas crianças com autismo e outras deficiências são chamadas.

A semana ocorre há cinco anos, já a caminhada estava em seu segundo ano. No, entanto, achei muito interessante observar que quase metade dos caminhantes eram de cidades vizinhas, que vieram apoiar a causa; assim como a quantidade de professores e agentes da educação que marcaram sua presença, além é claro, de alguns pais e familiares destas crianças e, inclusive, algumas dessas crianças. Senti falta dos profissionais da área de saúde, pois além da educação, estas crianças também precisam do suporte que os psicólogos, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais,  pediatras, neuropediatras, podem oferecer. Não só na assistência diária, dando suporte e buscando soluções para os problemas físicos e emocionais que estas crianças possuem como também na luta pelos direitos e igualdade frente a sociedade. Um diálogo entre todos aqueles que cuidam destas crianças quando não se encontram dentro de uma mesma instituição é deverás complicado de conseguir com todos ocupados com suas agendas individuais e deveres da vida diária, mas é complicado e não utópico. Espero que este espaço para o diálogo possa ser aberto em breve dentro da cidade de Garanhuns.

Assim como é de extrema importância que estes cuidadores também possam ser cuidados, ouvidos e apoiados em sua lida. Lembramos sempre de falar daqueles que necessitam dos cuidados imediatos, mas se os cuidadores não forem cuidados, chegará uma hora que eles estarão cansados, desanimados, exaustos e terão dificuldades em conciliar o crescimento de suas próprias vidas e seus deveres de cuidadores e então, eles também adoecerão. 

A caminhada demonstrou o quanto estas pessoas podem se unir, o quanto elas podem provocar a sociedade, ao passar com suas blusas azuis e distribuir suas flores azuis, seu carro de som chamando e dando bom dia, debaixo do sol quente, quase uma hora de caminhada, por ruas importantes da cidade. Portanto, que mais uniões possam ser feitas, pois o apoio, o braço a braço ajuda a construir um mundo melhor, ajuda a suportar e superar os desafios da vida. Que as uniões possam ser feitas não apenas no dia 02 de abril ou em uma semana do autismo, mas que ela seja feita todos os dias, todas as horas, por todos nós!

Deixo os meus parabéns a organizadora, Rennata Amorim e a sua equipe que lhe sustentou, ajudou e apoiou durante o evento.

Alguns momentos:


segunda-feira, 6 de abril de 2015

O lugar da perda

Perder algo ou alguém é uma das experiências mais frustrantes na vida de qualquer pessoa, pois com a perda nos deparamos com nossas limitações, nossa fragilidade, nossa impotência diante do ciclo da vida.

Nunca paramos para pensar que sempre estamos perdendo algo, do mais simples como os cabelos, a epiderme, as unhas, bijuterias, sapatos, roupas, móveis, livros, a comida e a água que ingerimos também possui uma parte que é perdida, não sendo aproveitada pelo organismo, até as mais complexas, como a perda de amigos ou familiares por brigas, ou a perda definitiva que ocorre com a morte de entes queridos, inclusive, animais de estimação. Perder é simplesmente algo que acontece na vida.

No entanto, o vazio que fica ao se perder algo ou alguém necessita ser delimitado, escutado, olhado,
para que não consuma aquele que o sente, principalmente nos casos de morte física,  a morte real, concreta. 

As pessoas brincam dizendo que só damos valor ao que temos quando perdemos e muitas vezes é isso que ocorre mesmo. Porém, se desde pequenos pensássemos a vida como algo frágil e que pode ser perdido a qualquer momento, sem avisos, talvez pudéssemos  valorizar o tempo que temos com as pessoas. Mas o ser humano, este ser que acredita em sua invencibilidade, onde tudo pode acontecer com os outros, mas não de sua porta para dentro e que sempre existe tempo... Sempre deixa para depois as mudanças que poderiam ser feitas hoje!

Aí, o que ocorre? Lá vem a dona morte dizendo "oh, gurizada, não ouviram o Einstein? O tempo é relativo". E, ela mexe com toda a nossa adaptação, coloca nossas crenças e ideias de cabeça para baixo. Ela nos surpreende e nos faz pensar e repensar nossas prioridades, como organizamos nosso tempo, como nos relacionamos. Isso é! Quando a gente consegue pensar sobre isso... porque em boa parte a surpresa e a dor é tão grande que embota os sentidos, as emoções... aqueles que perderam apenas fitam o vazio e sentem a saudade que avassala, a saudade que não pode ser "matada"" e as lembranças... ou as reminiscências, de como as coisas poderiam ter sido. 

Em uma época onde ser feliz a todo custo é primordial, aqueles que carregam dentro de si a tristeza  e a incontestável certeza de que não podem mais modificar o passado, de que não existe mais tempo, tornam-se excluídos e são enxotados para deixarem para trás sua dor e esquecer a morte e aquela pessoa que partiu.

E, aí? Como fica? Como ficam essas pessoas sem o espaço de elaborar os sentimentos de impotência, o sentimento de fragilidade, a culpa e a saudade?

Elas adoecem! Claro! Tudo que precisa ser engolido e digerido a força (leia-se e entenda que falo dos sentimentos) acaba voltando como doença.

É preciso lembrar que a morte faz parte da vida, ou seria a vida que faz parte da morte? E que é preciso ter cuidado, carinho e acolher essas pessoas que sentem tão profundamente e possuem imensa dificuldade em deixar seus entes queridos partirem. Seja dentro de sua própria família, círculo de amizades, ou de forma mais geral na sociedade e nos ambientes da área de saúde.

Portanto, o lugar da perda, da morte é o de poder olhar para a vida de outra forma e talvez, aprender com a morte como valorizar e aproveitar muito mais a vida!

Fica a dica! 


quarta-feira, 1 de abril de 2015

Autismo - Por uma conscientização

http://www.dicasmiudas.com.br/02-de-abril-dia-mundial-do-autismo/

Faz 08 anos, amanhã, que o dia 02 de abril foi escolhido pela Organização das Nações Unidas (ONU) como dia mundial pela conscientização do autismo. Pois, apesar de ser um diagnóstico teoricamente conhecido desde a década de 40, ainda existe muita desinformação, confusão e estranhamento frente ao trato com essas crianças, seja dentro de casa, nas escolas ou na própria área de saúde.

O nome já foi modificado diversas vezes: Autismo, Transtorno Global do Desenvolvimento, Transtorno do Espectro Autista... Virou "quase" uma salada de sintomas e comportamentos que deixam pais, médicos, psicólogos, professores, fonoaudiólogos e terapeutas ocupacionais, louquinhos! Os nomes modificam-se devido às novas formas de pensar e observar este fenômeno, e a cada vez que o nome aumenta mais crianças acabam sendo enquadradas no tal "diagnóstico".

Hoje, estima-se que uma em cada 68 crianças possua autismo ou esteja enquadrada no dito espectro autista, dentre estas, a cada cinco, quatro são meninos. É algo alarmante e preocupante, principalmente se não for algo realmente conhecido. 

A conscientização serve para alertar e fazer com que estas crianças cheguem mais cedo aos consultórios médicos, psicológicos, fonoaudiólogos e dos terapeutas ocupacionais. É o que as pessoas da área de saúde chamam de intervenção precoce. Quanto mais cedo a criança chegar aos serviços, mais fácil será ajudá-la a encontrar um comportamento, digamos, "mais funcional", ou seja, mais fácil enquadrá-la na nossa normalidade social. 

Quando os pais chegam ao meu consultório, sinto-os, muitas vezes confusos, com medo e com a ideia de que terão que tomar conta daquela criança e abdicar de suas vidas (principalmente as mães) "para sempre". É um trabalho enorme fazer com que essas mães e esses familiares encontrem espaço para eles mesmos. Além de necessitar de muito cuidado e atenção, pois muitas vezes, essas crianças não possuem ideia do perigo que correm ao fazer determinadas coisas, é difícil encontrar pessoas dispostas a ajudar estes familiares no cuidado com essas crianças.

Ou seja, o não olhar, o não interagir, torna estas crianças alheias ao mundo em que vivem devido à incapacidade que muitas vezes temos de sair de nossos próprios mundos e crenças para adentrar na vivência do outro.

Ao lidar com crianças ditas autistas, precisamos lembrar que elas são humanas, são crianças e necessitam de cuidados e carinhos como qualquer um de nós. Costumo dizer aos pais: "esqueçam por um momento o diagnóstico, lembre que é uma criança, necessita de limites, necessita de seu olhar" e o que os pais, e qualquer um que travar conhecimento com ela, necessitará fazer é aprender a entrar no mundo dela, respeitando os limites, para pouco a pouco compartilhar o nosso mundo com ela e talvez, criar novas formas de vir a ser nesse mundo.

Existe muito mais a ser explorado e a ser falado sobre este assunto. Mas por hoje é só! Que fique a mensagem de que para conhecer este transtorno é preciso olhar para além do sintoma, conscientizar-se que existe um ser a se construir, bem ali, por trás de todas aquelas esquisitices. Mas afinal, quem não tem a sua esquisitice?!

Até a próxima!!

quinta-feira, 26 de março de 2015

Lumiando

Lumiar é fazer com que algo apareça, é iluminar. Iluminar o quê? O Lótus...

A flor de lótus, no oriente, significa a pureza espiritual. É aquela flor que apesar de toda a lama e de todo o charco no qual se encontra floresce e cresce. 

E o que é que Lumiar o Lótus significa, afinal?

Sou psicóloga. Psicóloga clínica. Trabalho com crianças, adolescentes, adultos e idosos. Escuto suas dores, seus pesares, seus medos e suas esperanças. Observo o desabrochar de suas verdades, de sua força e os vejo perseverar e reinventar-se, ressignificarem tudo aquilo que os torna infelizes, assim digamos... ou, o que os leva ao consultório. 

Tal qual a flor do lótus, as pessoas crescem e desabrocham, apesar de todas as dificuldades encontradas em seu dia a dia. Elas perseveram, apesar de toda a desesperança, de todo o desacreditar. E, quando encontram algo que as sustente enquanto travam suas lutas, o ambiente terapêutico, no caso, elas desabrocham e encontram novas formas de serem elas mesmas no mundo que as cercas.

Apesar de toda a ciência e de todas as técnicas entendo a psicologia como uma ferramenta que ilumina esse desabrochar. E, este blog pretende compartilhar e comentar sobre este lumiar. Talvez, colaborar para que outras ideias e outras formas de entender o mundo sejam pensadas e repensadas.

Ah! E, claro! Divulgar meu trabalho!

E, entre pitadas de bom humor e assuntos sérios, iremos inventando e reinventando as experiências da vida.

Espero que gostem!