segunda-feira, 28 de maio de 2018

Contexto histórico da Saúde Mental no século XIX



Volto, pois, à questão: onde situar a psicanálise? [ ] A resposta pode ser: em nenhum lugar preexistente. A psicanálise teria, nesse caso, operado uma ruptura com o saber existente e produzido o seu próprio lugar. Epistemologicamente, ela não se encontra em continuidade com saber algum, apesar de arqueologicamente estar ligada a todo um conjunto de saberes sobre o homem, que se formou a partir do século XIX.
(Garcia-Rosa, 2007, pág. 22)

Revolução Francesa

O século XIX foi um século marcado por diversas revoluções e guerras. Nas décadas finais do século XVIII, a Europa encontrava-se em uma crise financeira devido as recentes secas e ao surto da febre tifoide. A crise política levou a Revolução Francesa (1789) e aos ideais iluministas, que se dispersaram por toda a Europa e encontraram em cada novo solo patriota uma forma própria de entender esses ideais. O espírito da Revolução e os novos ideias adentraram o século XIX, junto com a ameaça de dominação Napoleônica. Dentre os ideais iluministas a primazia da razão e o pensamento científico se firmavam cada vez mais como a única forma de compreender o mundo, assim a psiquiatria e a psicologia eram “ciências” recentes que tentavam ainda encontrar o seu lugar como ciência (Roudinesco, 2016; Birman, 2003).
              
Segundo Garcia-Roza (2007), as ciências do homem surge com o desenvolvimento do capitalismo “e sua exigência de controle dos corpos e dos desejos” (pág. 22). A virada do discurso da filosofia sobre o homem e seus desejos, advém da questão da subjetividade proposta por Descartes (XVII). A emergência da subjetividade, chama a atenção Garcia-Roza (2007), não é a emergência do sujeito, mas sim da consciência (cogito): “Em Descartes, o penso é ameaçado pelo eu” (pág. 15), e por isso, a Razão torna-se a principal via de acesso a verdade. Dessa forma, ciência (episteme) e razão (logos) encontram a mesma definição como possuidoras da verdade e reveladoras do ser e suas expressões pelo discurso (logos) [1]. As ideias de Descartes levaram a divisão entre a razão e a desrazão e assim surgiu a loucura (la folie):

[...] Literalmente, a loucura não existia, o que existia era a diferença e o lugar da diferença. É apenas recorrentemente que podemos falar no louco como um dos ocupantes desse espaço juntamente com a alcoólatra, o vagabundo, o delinquente, o sifilítico ou o que restava dos leprosos. Antes do século XVII não havia o louco como uma entidade diferenciada. O que se tem, nessa época, é a consciência da diferença, mas de uma diferença que não era perfeitamente delimitada, que não possuía um estatuto definido e que frequentemente era vista como forma de suprema sabedoria para se perder em seguida no mistério da diferença pura.
(Garcia-Roza, 2007, pág. 27)


  Portanto, não se existia ainda uma definição da loucura tal como a conhecemos: o local da desrazão. Como a consciência era o local da razão, do pensamento, e o que distingue o homem do animal é o uso da razão, logo o “louco” foi identificado ao animal e por isso algumas práticas semelhantes ao cuidado com os animais foram colocadas em prática.. Colocar a loucura como desrazão, faz com que à partir do século XVII, ela seja estudada como “um saber” e não apenas como diferença que precisa ser apartada da comunidade. A loucura passa então a ser modificada de acordo com a construção desse saber e com o poder que a psiquiatria começa a exercer sobre o louco e o seu diagnóstico. Com a evolução dos estudos, ela torna-se o local de desrazão e  das “paixões descontroladas” e sua cura é um retorno a ordem, ela precisa ser domada, os cuidados, dessa forma, passavam a ser ora de contenção, como os animais, ora de regeneração moral do louco. A ideia da loucura ser hereditária é derivada da impossibilidade de encontrar um substrato material da loucura, por isso, ela deveria aparecer no histórico da infância e dos familiares do louco. Sendo assim é que o século XIX vê surgir dois grandes grupos de doença: um grupo formado pelas doenças que poderiam encontrar um correspondente na anatomia patológica; e um segundo grupo, formado pelas neuroses, nos quais não se encontrava lesão, nem sintomatologia regular (Garcia-Roza, 2007).

Birman (2003) também aponta para a diferença no entendimento da loucura e de sua etiologia existente na psiquiatria do “Antigo Regime” e a psiquiatria surgida após a Revolução Francesa. Na primeira, a perda da razão era incontornável, os loucos eram igualados aos dementes, não existia faculdades intelectuais. Com a Revolução Francesa e as modificações que ocorriam nos campos da ciência, a perturbação da razão passou a ser percebida pelo delírio e a alienação torna-se o novo paradigma da loucura:

[...] Hegel identificou o seu projeto teórico com o da psiquiatria, justamente porque a alienação mental não seria uma perda da razão, mas uma transformação possível dessa, inscrevendo-se, portanto, de maneira constitutiva, no próprio campo da racionalidade por aquele delineada. A loucura então, como alienação mental, indicaria uma parada do movimento dialético do espírito, sendo a terapêutica daquela a condição de possibilidade para a retomada do movimento que fora paralisado. Pode-se dizer, enfim, que as ditas paixões excessivas, aludidas por Esquirol, estariam no fundamento da estagnação do tal movimento dialético, cuja consequência crucial seria a produção do delírio e da alienação mental.
(Birman, 2003, pág. 20)

Compreende-se que em um primeiro tempo da psiquiatria após a Revolução Francesa, o entendimento da etiologia da loucura estava no que Garcia-Roza e Birman apontam como causalidade moral, os desvios das paixões e requeriam que estas fossem domadas, novamente moralizadas, enquadradas nos ditames da sociedade. Contudo, no decorrer do séc. XIX a biologia, a fisiologia e anatomia tomam papel preponderante devido a necessidade de se encontrar um substrato material para o entendimento da loucura e assim, a concretização do sonho da psiquiatria como uma ciência natural separada da física e da medicina. As teorias biológicas enfatizam a hereditariedade e a degenerescência como causadoras da loucura.

Na Inglaterra, Henry Maudsley[2] acreditava que o crescimento da civilização e a sua complexidade fazia com que as pessoas enlouquecessem mais, devido ao aumento das funções mentais que tinham que desempenhar. Para ele, civilizações menos especializadas, o que ele chama de selvagens, possuem um cérebro menos complexo que não precisa lidar com as dificuldades encontradas entre os seus desejos e as regras sociais, quando ele quer algo ele apenas vai lá e se gratifica. Acreditava também que para não enlouquecer as pessoas civilizadas precisavam ter um suporte emocional que os permitisse não perder de vista os sonhos e os desejos ao se deparar com frustrações que a própria vida impõe; entendia que pessoas que trabalham com o coração são mais suscetíveis de ficarem loucas, do que os que trabalham com a mente ou com as mãos, pois a paixão e os sentimentos que são colocados no trabalho é o que causa os desarranjos mentais; a tuberculose também estaria ligada a aparição de insanidade devido a uma predisposição latente, sua sintomatologia seria a irritabilidade, obstinação e “conduta caprichosa” e enfraquecimento do intelecto, pode apresentar mania e melancolia, além de ser fantasioso; já a adolescência poderia levar indiretamente a insanidade por ser a ocasião em que a pessoa poderia criar hábitos viciosos de maus tratos a si mesmo: “o paciente fica agressivamente egotista e impossível. Apresenta-se cheio de sentimentos autocentrados de presunção. Insensível às reclamações de outros sobre ele e de seus deveres para com estes outros” (Maudsley, 1879, apud Dalgalarrondo, 2004, pág.22). A psicopatologia da mulher teria haver com a atividade mensal dos ovários, nessa fase, elas ficariam suscetíveis, irritadas e caprichosas e qualquer coisa poderia aborrecê-las mais do que o normal, suprimir a menstruação ocasionaria a explosão direta da insanidade, no entanto, ainda não seria possível dizer positivamente se o desarranjo mental estaria ligado aos distúrbios da menstruação. “A mania poderia ser um efeito mórbido simpático da excitação ovariana e uterina” (Maudsley, 1879, apud Dalgalarrondo, 2004, pág.24). Na menopausa, aparecia ciúmes insanos e propensão para estimulantes, principalmente quando não existirem filhos. A insanidade positiva nas mulheres teria a forma de melancolia profunda. Maudsley salienta ainda a insanidade puerperal e distingue-a em três doenças: durante a gravidez, após o parto, e a que aparece meses depois durante a lactação. Na gravidez, a insanidade seria do tipo melancólica e tendência suicida. Pode ocorrer demência ou fraqueza mental, perversão moral e ânsia por estimulantes, exibição exagerada dos desejos fantasiosos. O tratamento que teria sucesso seria a retirada da grávida de sua casa. Já a insanidade puerperal, ocorre até um mês depois do parto: as que ocorrem antes do 16º do parto possuem sintomas de mania aguda, depois do 16º do parto os sintomas são de melancolia, além de uma mistura de infantilidade e demência. A mania seria mais fácil de curar do que a melancolia; a insanidade histérica seria uma variedade especial com crises de mania, agitação, conversa rápida e desconexa, mas não incoerente, e com conteúdos eróticos e obscenos, perda de vontade, a paciente pode tornar-se fantasiosa a respeito de sua saúde, crises de raiva no período menstrual, os cuidados deveriam ser a partir da retirada das simpatias e atenções ansiosas e o controle moral; A ninfomania seria também uma doença encontrada na mulher devido a irritação dos ovários ou do útero, onde uma mulher “casta e decente é transformada numa fúria enraivecida de lascívia” (Maudsley, 1879, apud Dalgalarrondo, 2004, pág.28).

V. Magnam [3](1893) faz um trabalho sobre o delírio crônico e sua relação com as doenças mentais. Ele diferencia os delírios em: crônicos e sistematizados. Nessa época já se falavam sobre os delírios de perseguição e de megalomania. Além disso, acreditava-se nos hereditários degenerados que eram divididos em quatro grupos de acordo com o desenvolvimento das faculdades intelectuais: os idiotas, vida cerebral quase nula; imbecis, podem ser educados mas são incapazes de tecer julgamentos e juízos morais, a inteligência é rudimentar; os débeis, conseguem desenvolver a inteligência em determinadas condições; os desequilibrados ou degenerados superiores, possuem faculdades brilhantes, mas existem lacunas intelectuais e morais. Os quatros grupos possuem estigmas físicos, mal formações, da degenerescência. Apresentam obsessões, impulsos irresistíveis (manias, tais como a dipsomania, onomatomania, coprolalia, cleptomania e anomalia sexuais, dentre outros), que são considerados estigmas psíquicos. Nesses casos os delírios sistematizados possuem características especiais: começa de repente, é sempre polimorfo, são casuais de longa ou curta duração; eles também podem apresentar características obsessivas. Já os delírios crônicos formam um grupo diferente de doentes, esses apresentam alucinações, se sentem perseguidos e são ambiciosos e por fim se encaminham a demência. Para Magnam, esse último grupo seria possuidor de uma psicose com etapas sucessivas de incubação, perseguição, ambição e demência e se chamaria de delírio crônico de evolução sistemática. Segundo Ana Maria Oda (in Dalgalarrondo, 2004), Magnam estudou o alcoolismo por julgar ser a maior causa fornecedora de pacientes para os hospícios e a partir desses estudos ele avançou na construção teórica da loucura de uma forma geral. Ela acrescenta que a degeneração ou degenerescência era considerada como a etiologia da loucura por psiquiatras das escolas francesas, alemães e italianas; a degenerescência poderia ser hereditária ou adquirida e todo degenerado seria louco, mas nem todo louco era degenerado.

Philippe Chaslin (1895) estudou a confusão mental primitiva idiopática, que possui um período de incubação e um gatilho estressor, que ocasiona modificações no corpo e no espírito, ao mesmo tempo. Os sintomas, no período de incubação, vão desde dores de cabeça, à vertigens, dores erráticas, cansaços, sensações bizarras e inexplicáveis, o apetite e o sono são perturbados, e apresentam humor deprimido. O doente pressente que está adoecendo e que poderá vir a enlouquecer. No início da doença propriamente dita, o doente já se encontra incoerente e é marcado por uma excitação generalizada, que pode confundir-se com um estado maníaco ou melancólico. Pode ocorrer ainda catatonia, delírios ou alucinações e ilusões. Na forma completa, ou mediana, o paciente apresenta “ar obtuso, idiota e estúpido, inerte e embrutecido, o olhar vazio e sem expressão, a face pálida, lívida como a de um doente verdadeiro” (Chaslin, 1895, apud Dalgalarrondo, 2004), a higiene encontra-se comprometida e muitas vezes o equilíbrio da marcha, possui atos incoerentes, movimentos estereotipados e automáticos, podem ter haver com as palavras e ideias que o paciente exprime, que são índices de suas alucinações e/ou ilusões. Essa confusão mental ocorre paralelamente aos transtornos somáticos apresentados na fase de incubação. Dalgalarrondo enfatiza que a importância do trabalho de Chaslin se deve a delimitação e descrição exclusiva das entidades clínicas, sem teorizações a cerca da patologia. O que Chaslin descreve é o que hoje chamamos de “delirium” e que faz parte das alterações básicas e primárias da consciência: o seu rebaixamento.

P. Sérieux e J. Capgras (1909, apud Dalgalarrondo, 2004) estudam as loucuras racionantes, ou delírios de interpretação, eles afirmam que durante muito tempo os delírios sistematizados ou paranoia são estudados como estados psicopáticos divididos de acordo com sua natureza em delírios de perseguição, de grandeza, de ciúmes, místicos, eróticos, hipocondríacos e etc., e que faziam parte das psicoses, no entanto, eles deveriam ser considerados manifestações mórbidas que poderiam aparecer no decorrer de diversas doenças mentais. Além disso decorrem sobre as diferenças das psicoses adquiridas, constitucionais e crônicas. Ana Maria Oda (apud Dalgalarrondo, 2004) comenta que estes dois franceses tiveram seus nomes associados ao delírio de interpretação e à síndrome de ilusão dos sósias, ou síndrome de Capgras. Eles acreditavam que poderiam encontrar a origem da predisposição psicopática na teoria da degenerescência. Além disso é a partir do século XIX que começa a se diferenciar o delírio, das ilusões e das alucinações.

Phillipe Pinel
Vale salientar, que o termo psiquiatria surgiu em 1802 substituindo a medicina alienista que é representada por Philippe Pinel, William Tuke, Benjamin Rush, dentre outros. Ela substituiu também a demonologia, a feitiçaria e as técnicas xamanísticas e tornou-se uma disciplina específica com o objetivo de diagnósticas e tratar o conjunto de doenças mentais. No final do século XIX, a segunda psiquiatria dinâmica teve origem com Mesmer, essa denominação refere-se ao conjunto das escolas e correntes que procuram entender “as doenças da alma”, “dos nervos” e “do humor” de acordo com a psicogênese da doença (ao invés da organogênese) e a relação transferencial que se instaura entre o médico e o paciente. Já a psicologia foi durante muito tempo um ramo da filosofia dedicado ao estudo da alma; no século XIX, torna-se uma disciplina fragmentada ora ligada a biologia, ora a fisiologia ou psiquiatria e ainda a neurologia e ciências sociais (Roudinesco, 1998).

Birman (2003) chama a atenção para o fato de tanto na psiquiatria como na psicologia do séc. XIX o papel central ocupado pela consciência. Seja como local da razão, ou como faculdade mental, a consciência era o local onde o “eu” e a subjetividade estavam inscritos: “Pretendia-se, pois, explicitar não apenas como funcionava o pensamento, mas também enunciar quais seriam os seus pressupostos formais e materiais. Isso porque a certeza da existência do eu circulava sempre e apenas em torno do pensamento” (Birman, 2003, pág. 22). Dessa forma, o estudo da loucura colocava um impasse teórico visto que o que ela apresentava de mais fundamental era a existência das alucinações e delírios, que em um estado normal, se compararia as fantasias e aos sonhos. A loucura era sempre colocada na negatividade e nela não existiria subjetividade, o que fez com que a psiquiatria e a psicologia precisassem sempre se referir à oposição verdadeiro/falso para entender as perturbações do espírito.
Ressalta-se ainda a informação de que está é a história da loucura no mundo ocidental. Como terá sido este desenvolvimento no oriente?

Referências Bibliográficas:
·         DALGALARRONDO, P.; ODA, A. M. G. R.; e, SONENREICH, C. – História da Psicopatologia: textos originais de grandes autores. São Paulo: Lemos Editorial, 2004.
·         ROUDINESCO, E; e, PLON, M. – Dicionário de Psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar, 1998.
·         GARCIA-ROZA, L. A.; Freud e o inconsciente. 22º ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2007.
·         ROUDINESCO, E.; Sigmund Freud na sua época e em nosso tempo. 1º ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2016 (Transmissão da Psicanálise).
·         BIRMAN, J.; Freud e a filosofia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2003 (Passo-a-passo;27).

Recomendação de leitura:
·         LOPES, J. L. - A psiquiatria na época de Freud: evolução do conceito de psicose em psiquiatria. Rev. Bras. Psiquiatr., São Paulo ,  v. 23, n. 1, p. 28-33,  Mar.  2001. Internet. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-44462001000100007&lng=en&nrm=iso>. Acessado em 1 de abril de  2018.



[1] Logos em grego significa razão e discurso.
[2] Henry Maudsley foi um dos principais alienistas da Inglaterra no século XIX.
[3] Alienista francês.

domingo, 20 de maio de 2018

Curso - "Sobre Gênero: TRANSgeneralidades e Perspectiva Queer.

Uma primeira versão deste curso ocorreu na Jornada do Círculo de Psicanalítico de Pernambuco (CPP) em 2017. Foi um curso pré-jornada. No entanto, no decorrer do curso e da Jornada, me peguei fazendo algumas perguntas que nunca havia antes pensado, por exemplo: porque em casa temos apenas um banheiro para homens e mulheres e na rua temos banheiros para homens e mulheres? E, aquelas pessoas que são homens e se sentem mulheres ou mulheres que se sentem homens, vão em qual?

Eu nunca havia pensando nessa lógica binária que nos é tão natural, homem e mulher. Mas o que é ser homem e mulher? É apenas a diferença do sexo físico? É uma forma de ser nesse mundo? Hoje em dia são tantos nomes para falar sobre a sexualidade das pessoas (heterossexual, homossexual, transgênero, lésbica, gay, transexual, assexual, gênero binário, gênero não binário) que eu sempre me perco e com este curso pude pouco à pouco tentando fazer essas diferenciações. 

Para quem trabalha na área da saúde escutando o sofrimento das pessoas, eu super recomendo o curso, principalmente se for que nem eu, que por não ter estudado muito sobre gênero e sexualidade acaba se perdendo no meio de tantas denominações, definições e diferenciações. 

Agora, este curso está chegando em Garanhuns, Agreste de Pernambuco. Quem for da região deve aproveitar esta oportunidade para enriquecer este debate ou compreender melhor este novo universo que já já irá bater em nossas portas!



A importância do adeus



Normalmente não sabemos quando é a última vez que estamos vendo alguém e normalmente não pensamos sobre como vai ser essa "última vez" até que ela realmente tenha ocorrido. Então, passamos a nos perguntar ou questionar se poderíamos ter dito mais algo ou feito algo para demonstrar o quanto a pessoa era importante para nós.
Assim, apesar da morte ser basicamente a única certeza concreta que temos na vida e de sabermos que ela virá independente de nossa classe social, idade, sexo ou escolha, tendemos a viver sem pensar nela e, por isso, perdemos boas oportunidades de pensarmos sobre essas despedidas. Vejam bem, algumas pessoas vão dizer: "mas é apenas um até breve, ainda nos veremos", no entanto, o tempo, por ser tão relativo, não permite que digamos de quanto tempo será essa espera entre um encontro e outro, para alguns pode ser um piscar de olhos, para outros pode ser uma eternidade.
Pois bem, dito isto, pensem comigo: será que se falarmos sobre a morte e pensarmos sobre ela, poderemos vivenciar melhor estes momentos que temos em vida? Como os momentos em que nos despedimos brevemente para sair para o trabalho, para escola ou para a balada. Será que teríamos menos pressa e mais paciência em como dizemos um "adeus" ou "damos um beijo de despedida"? Como seriam as últimas palavras trocadas entre os intervalos dos encontros?
No mundo digital que estamos vivendo onde as conversas ficam inacabadas pois elas podem ser continuadas a qualquer momento do ponto onde paramos, dizer um até mais ou realmente terminar uma conversa torna-se algo quase esquecido. Encerramos as conversas bloqueando o usuário, quando não queremos mais nem ver o rosto da pessoa porque estamos magoados ou com raiva. Quando a raiva passa, desbloqueamos e continuamos no mundo das palavras escritas. Ou então, vamos dormir e continuamos de onde paramos no dia seguinte. Mas o que acontece quando não existe "o dia seguinte"?
É importante pensarmos sobre essas questões para que possamos valorizar os momentos do cotidiano que invariavelmente passam despercebidos por serem banais, aquelas coisas que repetimos todo santo dia e não damos tanta importância assim. Mas cada momento é diferente, se procurarem vocês verão que nos detalhes tudo muda e todo momento é especial, principalmente, quando não podemos mais criar momentos especiais. Então, pensem bem no dia de hoje, no momento de agora e como vocês o estão aproveitando junto de seus familiares, de seus filhos, de seus pais, de seus netos, dos seus amigos, daquelas pessoas que são importantes e que levamos guardadas no coração. Pensem bem e aproveitem!!!

*Publicado originalmente no Jornal Cidade.

domingo, 13 de maio de 2018

Carta para as mamães (e para os papais também)



Donald Winnicott foi um pediatra e psicanalista inglês que estudou sobre a relação mãe/bebê na segunda metade do século passado. Ele acreditava que uma mãe só existe para um bebê e que um bebê só existe para uma mãe, com isso ele queria dizer que a relação existente entre a mãe e o seu bebê é única, especial e que ocorre há dois. Portanto, ele trabalhava bastante em aliviar a culpa que por vezes os pais sentem por determinados comportamentos que possuem com seus filhos. Ele diz em seu livro “Conversando com os pais” (1999, p.3): “Do que as pessoas realmente gostam é que lhes seja proporcionada a compreensão dos problemas que estão enfrentando [...] ninguém poderia ter dito a esses pais o que fazer naquelas circunstâncias, pela simples razão de que a circunstâncias não podiam ter sido descritas de antemão”.
A sociedade cobra bastante dos pais, principalmente das mães, para estarem presentes e serem carinhosos e amorosos quase 24hs por dia e os 366 dias por ano. Se a criança faz uma trela, ou chora, ou dá um escândalo no supermercado, logo surgem várias pessoas torcendo o queixo ou apontando o dedo dizendo que faltou educação. Na verdade, acredito que hoje em dia as pessoas esquecem que crianças possuem diversas etapas em seu desenvolvimento e que algumas tem mais dificuldades do que outras para aprenderem alguns detalhes, como “sim” e “não” ou “espere”, e querem que elas entendam logo esses conceitos e ajam como mini adultos que entendem o que a sociedade está pedindo. Os próprios pais esquecem disso e antecipam alguns comportamentos ou perdem facilmente a cabeça por esquecerem destes detalhes: são crianças e estão aprendendo, estão se adaptando a esse mundo tão estranho; e os pais também estão se adaptando a este novo mundo que se chama “educar uma criança”.
Portanto, a história é outra. É uma história que se constrói a dois, com dor, alegria, aperreios e vários momentos de “não sei o que fazer”, tanto para os pais como para seus filhos. Além do mais, hoje em dia é tanta gente dando pitaco, que os pais também precisam ouvir para pararem de ouvir o que todas as outras pessoas estão dizendo e possam encontrar em si mesmo e na relação que constrói com seu filho o que fazer.
Talvez, se conseguirmos tirar um pouco do peso que seria criar um filho e pensar no quanto pode ser prazeroso construir uma “relação” e descobrir o seu filho como um pequeno sujeito de desejos e se descobrir como mãe/pai, a relação possa encontrar uma leveza e ser um pouquinho mais fácil essa árdua tarefa que é criar um pequeno ser humaninho.
Já pensou em como pode ser divertido está preocupado apenas em brincar e fazer cócegas naqueles poucos momentos entre fazer a janta e lavar os pratos? Ou, tirar um dia de domingo para brincar na chuva ou fazer bolos de areia? Na brincadeira, a criança constrói o seu mundo e experimenta os diversos papeis. Aprende a ceder e a respeitar, o que é sim e não, qual hora é hora de quê. Já pensou em como é poder dizer que também ficou com raiva do filho e muito chateado com ele sem achar que com isso causará danos irreparáveis na personalidade da criança? Pois é, as coisas podem ser mais simples.
Por isso, a reflexão de hoje é: o que eu aprendo sobre ser mãe e pai na relação que construo com meu filho?


Publicado originalmente no Jornal Cidade ( Garanhuns - Ed. de Maio de 2018)

segunda-feira, 2 de abril de 2018

Autismo


O dia 02 de abril é conhecido pelo dia da conscientização do autismo e pela aproximação com esta data, venho aqui para propor pensarmos sobre o autismo por um outro ângulo. Atualmente, acredita-se que 1 a cada 68 crianças irá apresentar a sintomatologia do autismo. E, cada vez mais se fala ou é possível encontrar informações sobre os principais sintomas.
No entanto, já se perguntaram por que será que este número de crianças autistas aumenta cada vez mais? Há cerca de cinquenta anos atrás essa sintomatologia era encontrada em poucas crianças, era tido como uma síndrome rara. Hoje em dia é cada vez mais comum. Decerto que muita coisa mudou nas últimas décadas, na verdade, se fizermos um levantamento histórico rápido iremos perceber que muitas coisas sobre a infância mudaram em pouco tempo nos últimos séculos.
Vejam bem, há dois séculos atrás a criança era tida como uma miniatura do adulto, ainda não existia todo esse amor e cuidado que temos na atualidade. As escolas, tal como as conhecemos, também são criações recentes. Quem nos conta isso é o historiador Philippe Àries em seu livro “história social da criança e da família”. A família nuclear é uma invenção do final do século 18, quando a burguesia começou a ascender. No decorrer do século XX vimos essa família nuclear se tornar diversas famílias. Duas mães, dois pais, pais serapados, filhos de segundos, terceiros e quartos casamentos e por aí vai. O cuidado das crianças passou pelas mães, para os avós, para as babás e atualmente para as televisões e telas dos celulares e tabletes.
Então, pensem bem, qual a ideia que você tem sobre a infância e o que é ser criança ou cuidar de uma criança hoje? O que será que este número alarmante de crianças com autismo vem dizer da sociedade que estamos construindo? Será que é tudo orgânico e biológico e não temos como cuidar disso além de esperar que a ciência nos diga como? Ou será que o nosso modo de viver e de pensar em nós e nos outros, fala também de como estamos educando e olhando para nossas crianças?
Em um mundo em que a individualidade está cada vez mais presente, onde o importante é o que “eu quero” e não o que somos em conjunto, nos faz pensar se estas crianças não denunciam exatamente nossa falta... Nossa falta no cuidado e no olhar para com o outro, para com o comunitário, para o que é compartilhado. Será que elas não são o espelho da vida adulta? Onde nos isolamos cada vez mais nos celulares e redes sociais? Será o autismo uma doença da infância? Ou será ele um sintoma social que fala de como estamos nos construindo?


Publicado originalmente no Jornal Cidade de março de 2018

segunda-feira, 12 de março de 2018

Visões de Thanos: perspectivas sobre a morte

As pessoas normalmente estranham quando se deparam com pessoas que estudam a morte. Afinal de contas, por que estudar a morte seria importante? 

Acredito que ao pensar sobre a morte, pensamos sobre a vida. Em outras palavras, sobre como estamos vivendo, quais os valores que são importantes, ao quê nos dedicamos. Pensar sobre a morte possibilita essas reflexões porque nos deparamos com as impossibilidades. Ela faz com que a gente se dê conta que não somos onipotentes e que faz parte da condição humana, não poder da conta de tudo. Falhamos... em alguns momentos, simplesmente está fora do nosso controle mudar ou não alguma situação. É assim que nos damos conta de nossa finitude e de quão frágil são os nossos corpos. 

 Sendo assim é que eu e Jéssica Moraes pensamos em abrir o grupo de estudo “Visões de Thanos: perspectivas sobre a morte”. A morte, essa entidade que é admirada por alguns e afugenta tantos outros, foi vivenciada durante o decorrer dos séculos de diversas formas. Cada povo teve sua forma de reverenciar os mortos e construir seus cemitérios e tumbas. Alguns mais festivos, outros mais sombrios. Em conjunto com está visão se constrói ideias sobre o pós-morte: o que acontece com o espírito? Para onde vamos? Existe vida após a morte? Estas e tantas outras perguntas são respondidas por formulações diferentes em cada cultura e religião e isso afetará diretamente como cada sociedade lida com a morte e o morrer. 

 Para os profissionais da área de saúde estudar essa temática tão vasta é importante pelo simples fato dela fazer parte da vida. Em algum momento, o profissional irá lidar com alguém que esteja passando por um momento de perda, seja de sua própria vida, seja da vida de alguém querido. Poder compreender como a morte é compreendida e vista pelo sujeito que está a sua frente pode ser uma ferramenta primordial para ajuda-lo a passar por esta situação. 

 Para profissionais de outras áreas ou interessados, o assunto é de certa forma tão fascinante, que nos faz pensar sobre como a morte está o tempo todo ao nosso lado... Como diria, Raulzito¹ “a morte surda, caminha ao meu lado e eu não sei em que esquina, ela irá me beijar” . E, como disse anteriormente, isso pode nos ajudar a pensar sobre como vivemos e cuidamos do nosso dia a dia e das nossas relações. Dessa forma, compreendo que pensar a morte significa abrir vários caminhos para melhorar os relacionamentos em vida, valorizar alguns detalhes que nem sempre damos impor
tância, administrar melhor o nosso tempo... São tantos as modificações que podem ocorrer, de boas e de ruins, como existem diversos sujeitos com vivências diferentes neste mundo.

 O grupo terá o seu início amanhã, 13 de março, das 19h às 20h 30min, na MedCenter, Av. Djalma Dutra, 606. Os interessados em participar devem entrar em contato pelo telefone (81) 9.9783.0850 ou pelo e-mail: rosariocamarapsi@gmail.com. 

 Lembrando que o encontro amanhã é uma apresentação da nossa proposta e, portanto, gratuito. Mas, necessita de inscrição prévia, pois a quantidade de vagas é limitada. 

 Até mais ver, pessoal!

 ¹"Canto para a minha morte" música do Raul Seixas.


terça-feira, 27 de fevereiro de 2018

Novidades para 2018

Estou retomando pouco a pouco as atividades do blog.

Este ano de 2018 será um ano dedicado aos estudos e novos projetos na cidade de Garanhuns-PE. E, por isso, retomo as atividades informando sobre três grupos de estudo que estou iniciando em março com a psicóloga Jéssica Caroline de Moraes Veríssimo (CRP 02/19163).

O primeiro grupo terá início no dia 05 de março, próxima segunda-feira, e a nossa proposta é que juntos possamos aprender sobre a fenomenologia existencial e a psicanálise, duas abordagens bastante utilizadas pelos psicólogos em nosso Estado. Os teóricos das duas abordagens conversam entre si, permitindo que possamos nos aproximar e dialogar sobre a técnica e a teoria se pudermos manter a mente aberta e longe das ortodoxias.

O segundo estava previsto para iniciar no dia 07 de março, mas por motivo de força maior, foi adiado para o dia 15 de março, quinta-feira. Neste, iremos estudar sobre o universo do autismo dentro da teoria psicanalítica, visto que na atualidade muito se tem falado que a Terapia Cognitivo Comportamental, o ABA e o TEACCH são as únicas formas cientificamente comprovadas e possíveis de tratar o autismo. Na verdade, a teoria psicanalítica se debruça sobre o assunto e trabalha com esses sujeitos também, tendo, sim, sucesso em alguns casos. Além disso os estudos indicam que os dois métodos possuem taxas equivalentes de sucesso em seus tratamentos. São apenas formas diferentes de observar um mesmo fenômeno e a adesão do paciente e das famílias são indispensáveis para qualquer tratamento. Ademais, os relatos cada vez maiores de autistas falam sobre como o tratamento com o método ABA ou o TEACHH eram para eles insuportáveis.

O terceiro grupo de estudo pretende estudar sobre a morte e o morrer. Está marcado para começar no dia 13 de março, terça-feira, e a programação desse semestre está voltada para os aspectos culturais e ritualísticos da morte em nossa sociedade e em algumas religiões. Conhecer os diversos rituais, e como cada sociedade entende e encara a morte, ajuda os profissionais da área de saúde a compreender como podem ajudar pessoas que estejam sofrendo pela dor da perda de um ente querido, ou ajudar aquelas que estão nesse momento de passagem.

Postarei um pouco mais sobre cada um separadamente!!!

Até a próxima pessoal!!!